Colégio

Indo missionar em Barbacena, o Pe. Leandro seguiu, depois, para o Rio de Janeiro, de onde voltou em outubro, trazendo consigo as bases do futuro Colégio: quatro moços para serem os primeiros alunos e três sacerdotes portugueses. Um deles, padre secular, Pe. João Moreira Garcez, entraria em breve na Congregação da Missão, e os outros dois já a ela pertenciam: Pe. Joaquim Alves de Moura e Pe. Jerônimo Gonçalves Macedo. Todos seriam, pela dedicação, cultura e piedade, preciosos baluartes da Missões e do Colégio. O Pe. Macedo, especialmente, pelas admiráveis curas que operava, graças aos seus estudos de medicina, logo granjeou do povo simples a fama de santo.

O Colégio abriu-se oficialmente no começo de 1821, com 14 alunos. Quando, em 1824, D. Pedro I conferia o título de Imperial à Casa do Caraça, o número já subira a 85. No ano seguinte, passou a 113 e, logo depois, a 150. De 1821 a 1835 estudaram no Caraça, mais de mil alunos. Neste período, fez o Pe. Leandro melhoramentos e acréscimos no edifício, elevando de 6 para 11 o número de janelas da frente, na ala esquerda.

Os Lazarista imitavam, nos seus Colégios, os métodos dos Padres Jesuítas, dando aos alunos sólida formação cultural e religiosa. O ensino, com bases no latim, grego, língua pátria e geografia, era eminentemente humanista e não técnico, o que caracterizou, sem dúvida, o ensino no Brasil-Império. No Cap. VI, § 1°, do Código, lê-se o seguinte: "Nos nossos Colégios haverão (sic) aqueles estudos que se julgarem preliminares não somente para os moços que aspirarem ao estado eclesiástico, mas também à Magistratura".

A "Ordem do Dia" começava às 5 h da manhã e terminava às 22 h com um programa que julgaríamos, hoje, muito apertado, reservando-se ao estudo 8 horas, sendo quatro para as aulas. Nelas se aguçava a inteligência e se dava muita ênfase ao exercício da memória.

"Se algum estudante se não aproveitar, da-se-á parte ao Superior para este desenganar o Pai do dito estudante". E a norma foi sempre esta: por maiores que fossem as dificuldades financeiras, o que importava era o aproveitamento do aluno e não o pagamento de suas mensalidades, que, aliás, foram sempre reduzidas.

Para avaliarmos a mentalidade que orientava o Colégio, devemos examinar o célebre Regulamento, que data, talvez, de sua abertura. Tristão de Ataíde, em seu livro "Voz de Minas", ( 1 ) considera-o "modelo de verdadeiro humanismo pedagógico, em que a autoridade harmoniosamente se combina com a personalidade e a suavidade... É incrível a atualidade. Basta ver como começa este admirável documento, que, oxalá, continuasse a inspirar sempre a educação mineira". (págs. 126-127)

"Cap. I - § 1° - Os oficiais de uma Casa de Educação (diretores e professores) devem considerar-se revestidos dos caracteres de outros tantos Pais de família... Sua religião dever ser pura; devem evitar ainda o cheiro da hipocrisia e fanatismo; devem conduzir a mocidade com suavidade e amor, mesmo no exercício da correção, e é então especialmente quando devem estar prevenidos para não usarem de nomes injuiriosos nem excederem a moderação".

Numa época em que o castigo físico, na família e na escola, era tido como elemento indispensável para a formação, encontramos estas sábias normas: "O castigo dos maiores crimes será a privação da recreação e a separação do Colégio... Ninguém será repreendido em lugar e horas impróprias, a saber: nem no refeitório nem na recreação".

A preocupação com cada aluno em particular e o respeito com suas liberdades e preferências já eram assim consignados:

"Cap. III - § 13 - Convém muito conhecer o gênio e o caráter de cada aluno para, com prudência, tratar bem a todos; pois o que agrada ao melancólico e perturbado muitas vezes não agrada ao de gênio alegre e vice-versa".

"Cap. V - § 5 - Eles (os estudantes) devem persuadir-se que não vêm só para aprender os estudos e ciência, mas também as virtudes e é o que os Pais mais desejam de seus filhos. Vale mais um homem de conhecimentos medianos, sendo virtuoso, do que o grande sábio sem virtudes. Devem olhar para seus Diretores e Mestres como para outros tantos amigos e como quem faz as vezes de Pai e respeitá-los".

"§ 7 - Devem respeitar-se uns aos outros mutuamente, evitando os dois extremos: inimizades e amizades particulares".

§ 13 - Devem ser muito políticos (isto é: polidos), pois a política (polidez) é um dos caracteres, por onde se conhece o homem de bem".

"Cap. VII - 12 - Nas recreações permitam-se os jogos, especialmente aqueles que exercitam as forças corporais".

A alimentação do corpo, tanto quando do espírito, era cuidada de modo particular. O ano letivo começava com o retiro espiritual, de cinco dias. Mas as justas exigências do corpo deviam ser bem atendidas como se depreende do capítulo da alimentação. ( 2 )

"Cap. IX n° 1 - O bom cozinheiro concorre muito para a boa ordem..."

"N° 2 - O presidente da cozinha (sic) deve ser um homem muito asseado na sua pessoa e em tudo procurar que os ajudantes também sejam asseados e que tudo façam com limpeza".

"N° 5 - Os manjares sejam bem guizados e como a variedade deleita e as mesmas comidas repetidas muitas vezes, ainda que boas, aborrecem, haverá para isto variedade no guizamento".

Vê-se por aí, diz Tristão de Ataíde, que a higiene pedagógica não é invenção do século XX, como fazem crer alguns progressistas entusiasmados... Basta para isto, ler o capítulo sobre os enfermeiros, que é um modelo de humanidade e delicadeza quase feminina."

"Cap. XI - n° 1 - Tenha a enfermaria, bem arranjada e asseada, as camas dos doentes compostas, arejados e a miúdo defumados os ditos lugares com espécies aromáticas."

"N° 6 - O enfermeiro divertirá os doentes, trazendo-lhes algum ramalhete de flores (sic) ou plantas aromáticas."

"Em remate: Lembrem-se os Oficiais e Estudantes que serão responsáveis a Deus, à Nação e aos Pais de família; cumpre pois que cada um seja fiel a seu dever e conseguir-se-á o fim que é o estudo das Virtudes e da Sabedoria."

Eis o ideal que os Filhos de São Vicente se propunham no alto da Serra do Caraça, para a formação da juventude. Se, superando a fraqueza humana, tivessem conseguido realizar tudo com a desejada perfeição, o Pe. Leandro e um ou outro professor não teriam atraído sobre o Educandário a triste fama de Colégio rigorosíssimo e até de Casa de Correção.


( 1 ) - LIMA, Alceu Amoroso. Voz de Minas. Rio de Janeiro, AGIR, 1946.
( 2 ) - Para ser o celeiro do Caraça é que o Pe. Leandro comprou, em 1823, a chácara de Santa Rita, abaixo da Cascatona.
ZICO, Pe. José Tobias - Caraça - Peregrinação, Cultura e Turismo, págs. 30 a 32, Ed. São Vicente,
Belo Horizonte, 1976.


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