Depois do Superiorato de Pe. João Camilo de Almeida, que continuou o trabalho do Pe. João Vaessem, a Diretoria da Congregação enviou para o Caraça o Pe. Jerônimo Pedreira de Castro. Com 44 anos, já tinha uma grande folha de serviço pelos seus trabalhos missionários em Minas, Ceará e Bahia. Inteligente, trabalhador, idealista, trazia no sangue mais um título que o tornava querido de todos; era filho de D. Zélia, de D. Zélia Pedreira de Castro, a mulher extraordinária que soube educar nove filhos e depois, generosamente, esvaziou a própria casa para encher com eles a Casa do Senhor; suas seis filhas se tornaram religiosas e três filhos, sacerdotes, e, depois, a própria D. Zélia foi consumir-se qual lâmpada do Santuário, como Religiosa do Santíssimo Sacramento.
Dia 24 de dezembro de 1925, o Pe. Jerônimo, a cavalo, subia a Serra do Caraça, levando consigo dois grandes propósitos; construir a estrada de rodagem e restabelecer o Colégio.
1° - ESTRADA - SONHO REALIZADO Ontem, como hoje, empresa difícil é construir uma estrada por aquelas serras!
Em 1926, as finanças do Caraça e da Congregação não eram boas. A Direção receava muito pela ousadia do novo Superior. As cartas, no arquivo, dizem que o Estado de Minas não podia "no momento" ajudar.
Apesar disto, confiando na venda de madeira e na fabricação de carvão, crendo nos amigos e nas promessas dos grandes, e, mais ainda, na proteção de Nossa Senhora, o Pé. Jerônimo lançou seus operários, na serra, dia 2 de março de 1926. Logo depois, o Presidente do Estado, Melo Viana, que muito se interessava pelo Colégio, enviou um engenehiro, Dr. Eduardo Malheiros, para examinar a viabilidade da construção da estrada. ( 1 ) Talvez este fato tenha dado origem à frase, conhecida e sempre repetida, quando se trata do assunto: "O que os doutores, os engenheiros, não conseguiram e até decretaram irrealizável, um simples operário, um motorista de Barão de Cocais, o Sr. Minervino, o fez; a estrada".
E, a 1° outubro de 1926, apareceu no Caraça o primeiro caminhão. Grande foi a alegria de todos e fácil aos alunos convencer o bondoso Superior a comemorar o fato com um "Sueto" (feriado). Mais ainda; "à noite, passou-se um cinema". Certamente, um filmezinho de Carlitos...
Imaginemos com era "boa" esta estrada de 26 km - aberta em sete meses, com foices, picaretas, enxadões, carroças e padiolas, burros e bois, e 60 operários sob o comando do sr. Minervino. A notícia da estrada que engenheiros não conseguiram fazer, o célebre ziguezague com vinte e duas curvas apertadas em forma de sucessivos esses, a possibilidade de subir de carro ao Santuário de Nossa Senhora, tudo isto aguçou a curiosidade de muitos. Dia 30 de novlembro, surge na frente da igreja doCaraça o primeiro automóvel, um Rugby, levando as Irmãs Vicentinas. Iria começar, nas rodas do progresso, o ciclo do turismo no Caraça pois o Pe. Cruz registra, com orgulho, na sua crônica: "Hoje 29/12/1926 - abriu-se completamente a estrada de automóvel, porque se terminou a volta das "Paineiras" ( 2 ). O automóvel já pode vir ao Caraça, sem ser empurrado". ( 3 )
E sem ser, muitas vezes, empurrado ou carregado, a 10 de janeiro de 1927, chegou, também, o primeiro carro que a Casa adquiriu; um Ford, de segunda mão. Logo depois, "um auto-ônibus comportando 16 pessoas. Custou dez contos. É lindo, diz a crônica.
No fim do mês é a visita de D. Antônio Cabral. "Chegou no automóvel do Dr. Edmundo, enquanto no auto-ônibus e no caminhão chegava a Banda da Barra Feliz que veio tocar à chegada do Sr. Arcebispo de Belo Horizonte". O farmacêutico, o sr. Juquita, bate, na época, o recorde de corrida: De Santa Bárbara ao Caraça, 30 km, em hora e meia! Em 30 de março é o próprio Melo Viana, agora, Vice-Presidente da República, que lá aparece, sendo saudado com um discurso pelo Pe. Cruz. Em abril é o historiador Afonso d'Escragnolle Taunay, acompanhado de dois Diretores da Companhia Melhoramentos de São Paulo. Em setembro, Dom Joaquim Silvério de Souza, Arcebispo de Diamantina, cujo carro cai no rio, mas sem grandes conseqüências. O Secretário das Finanças, Dr. Gudesteau Pires, em nome do Presidente do Estado, Antônio Carlos, vem ver se, de fato, existe a estrada. E no fim do ano, D. Antônio dos Santos e Dr. Lúcio José dos Santos.
Cresce a alegria no Caraça, mas o coração do Superior está esmagado: dívidas numerosas ao lado de promessas que não se cumpriram. Como o trabalho da estrada continua, ,o Pe. Visitador, vigilante e franco, mas compreensivo e delicado, alerta o Pe. Jerônimo sobre as dívidas e recebe, em resposta, este desabafo: "Aqui, meu Padre Visitador, permiti que meu amor de 26 anos à Congregação se revolte e brade! Eu amo e me sacrifico pelo Caraça. Meti-me nesta empresa, porque vi claramente, visto que o Caraça, para viver, precisava de uma estrada e de melhor meio de condução".
O filho de D. Zélia sabe, como Camões, que "é fraqueza desistir da empresa começada". As chuvas estão chegando e é preciso abrir as sarjetas e os boeiros para não perder todo o serviço. Os trabalhos continuam e a crônica de 1928 termina assim:
"A 27 de novembro de 1928, grande festa em ação de graças pela inauguração da estrada de automóvel. Missa cantada, sermão, banquete, benção do Dodge. Pe. Cruz fez belíssimo sermão camoniano".
2° - COLÉGIO - ÍDOLO QUEBRADO
Aberta a estrada, preocupa-se o Pe. Jerônimo com a realização de seu segundo sonho: a reabertura do Colégio, que era o desejo de muito, conforme constatara nas suas andanças missionárias. Sabia das dificuldades e da pouca simpatia que a cúpula da Congregação nutria a este respeito, receando prejudicar o bom andamento da Escola Apostólica. Mas o Pe. Jerônimo raciocinava com o coração e dizia: o Colégio, além de ajudar a manter financeiramente a Escola, cjuos alunos são quase todos gratuitos, poderá ser também sementeira de vocações. Quem sabe?
Em 1928, abre-se o Colégio com 120 alunos. Ano de adaptação. Mas o ano de 1929 é cheio de problemas e de decepções. Entre os 104 alunos, alguns são "marmanjões expulsos de outros colégios" que a bondade do Superior recebe. Cai a disciplina. O ambiente está carregado. Um aluno enlouquece, justamente "o protegido pelo Presidlente do Estado". Dois conseguem fugir; foram capturados e entregues aos pais. Outros são expulsos... E o beribéri continua fazendo suas vítimas... obrigando-as a passar vários dias de tratamento, na Chácara de Santa Rita.
Notícias alarmantes chegam às famílias que vêm retirar os filhos. Professores escrevem ao Visitador pedindo para fechar o Colégio. Em julho, os colegiais, preparados à moda caracense - e não segundo o figurino do progrma oficial -, vão a Belo Horizonte submeter-se, no GFinásio Mineiro, ao exame de admissão. Diz a "Crônica": "De 36 alunos somente sete são aprovados! Urucubaca completa!... Alguns pais ficaram furiosos!..."
No fim do ano, estava fechado o Colégio e o Pe. Jerônimo decepcionado escreve: "Terminou assim desafinadamente o hino de amor que eu estava compondo para engrandecer o Caraça..." Os alunos partem para as férias. Ele continua: "Fiquei quebrando os meus ídolos e preparando-me para a mudança... Adeus, meus sonhos!... Adeus, Nossa Senhora mãe dos Homens!..." ( 4 )
E o zeloso filho de D. Zélia volta a trabalhar no NOrdeste. Em fevereiro, chega a Recife e sabemos que, neste ano de 1930, prega nada menos que 14 retiros e faz uma Missão na Diocese de Nazaré.
"Pois toda terra é Pátria para o forte..."
( 1 ) - Dizem os antigos que os engenheiros queriam a estrada pelo Pico da Conceição ou pelo Campo de Fora e não pelo local da estrada atual.
( 2 ) - Paineiras, a 3 km do Colégio. Na antiga estrada, a uns 200 m antes da Bela Vista, havia uma curva muito apertada, calçada de pedras e, ao lado, duas grandes paineiras.
( 3 ) - Assim termina a Crônica de 1926: "A 31 de dezembro, despedimos 40 dos 60 operários da estrada. Custou cerca de 140 contos. Agimus tibi gratias, Domine, pro collatis donis". Pág. 33
( 4 ) - CASTRO, Jerônimo Pe. Anuários ou Crônicas, pág. 38, MS no Arquivo da Casa Central, no Rio.
ZICO, Pe. José Tobias. Caraça - Peregrinação, Cultura e Turismo, 1ª Ed. Belo Horizonte, Ed. São Vicente, 1976. págs. 77 a 79.
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