Passeando pelo Caraça

1 - O visitante, depois de rezar na igreja gótica e admirar sua beleza (1) terá dentro do Casarão Colonial, muitos lugares a visitar: a sacristia, o claustro com as camélias e o relógio do sol, as Catacumbas, a capela onde morreu o Irmão Lourenço, o museu, a biblioteca, a adega, os pátios internos, o prédio destruído pelo fogo, a Casa Santa Helena ou sobradinho Afonso Pena.

2 - Saindo da igreja, antes mesmo de ocupar o humilde quarto de hóspede, terá no adro um bom mirante para contemplar a paisagem e fazer os cálculos para os futuros passeios. À sua direita, o grande jardim; mais acima, o caramanchão dos padres e, mais no alto, o Morro do Cruzeiro, lugar predileto para os fotógrafos. À nossa frente, a escadaria, "obra de bastante bom gosto", as fileiras dos coqueiros bisseculares, a ladeira íngreme onde "caiu" D. Pedro II, o Casarão das Sampaias, o muro da senzala, o rio, a estrada, as matas que escondem o Tanque Grande, a piscina do Irmão Lourenço, os Cascudos, a Cascatinha do Pe. Rabelo... Mais longe, os morros de nomes bastante conhecidos de todo o caracense: Boa Vista (2), e Santo Agostinho, Campo da Raposa e, fechando o horizonte: o Pico da Conceição, os Três Irmãos, a Serra da Cangerana com seu maravilhoso rego dágua alimentando o Tanque Grande... Mais "além, muito além daqueles serras" (para quem tem boas pernas para andar), o Campo de Fora, com a curiosa pedra do Irmão Lourenço no meio da planície e a Velha Fazenda do Capivari com a majestosa cascata com mais de 200 m de queda.
      

3 - Mas vamos devagar... Examinemos, primeiro, o adro onde você está. A grande cruz de pedra, à direita, lembra que, no tempo do Irmão Lourenço, o adro era cemitério. A porta da igreja, de gordas almofadas coloniais, pertencente à primitiva capela, ali se conserva oprimida pelo pórtico com sua ogiva e as seis esguias colunetas. No frontispício triangular, três medalhões de mármore branco. O do meio, um pouco maior, ostenta as armas de São Francisco de Assis (duas mãos e uma cruz). O Irmão Lourenço pertencia à Ordem Terceira Franciscana. Os dois medalhões menores trazem cada qual uma estrela e a data do início da construção de cada templo: 1775, o da capela do Irmão Lourenço; 1880, o da igreja do Pe. Clavelin. Mais em cima, leve pedestal a sustentar a pesada imagem de Nossa Senhora das Graças, de ferro fundido e bronzeado. Completando o nicho da imagem, a maravilhosa rosácea, o dossel em forma de coroa, cheia de estrelinhas, e a invocação, gravada na pedra circular: "Oh (sic) Maria Concebida Sem Pecado, Orai por Nós que Recorremos a Vós".
      

Subindo mais, com os olhos ou pela escada em caracol, você verá o relógio, que tem fama de ser muito pontual como todo o habitante do Caraça. Bate com firmeza as horas e, um minuto depois, como bom aluno, repete as mesmas marteladas. Bate os 15 minutos, os 30 minutos e os 45 minutos e os cinco minutos antes destes quartos de hora. De longe se escuta. Para quem perde o sono, à noite, pode ser um martírio a teimosa pontualidade do célebre relógio. E não adianta "contar carneirinhos..." que todos fogem espavoridos no impressionante silêncio do Caraça. Se você estudou latim, gostará de ler, gravado na pedra, o seguinte dístico: "Omni temporis hora, aeternitatis Deum adora", para traduzir para o colega que não entendeu: "Em toda hora ou instante do tempo, adora o Deus da eternidade".
      

E na torre que sobe ponteaguda, protegida por oito contrafortes e oito torreões, você distinguirá outra cruz de pedra, que ao atingir os 50 m de altura, abre generosamente os longos braços para, com a pequenina relíquia do Santo Lenho da Cruz de Cristo que lá colocaram, abençoar toda a Bacia do Caraça e todo o visitante, que aqui vier rezar, estudar e descansar.
      

4 - Penso não ser desejo seu subir lá na torre, o que é difícil e perigoso. Pisando bem firme no chão, desçamos a escadaria do adro, já descrita e admirada por Saint-Hilaire em 1816. Atravessemos o extenso pátio, outrora jardim, desaparecido para dar lugar aos esportes, que, na linguagem caracense, se chamam: baleia, barra-manteiga, jogo das cores, jogo da bandeira etc. E subamos, como fez Pedro II, ao Morro, à nossa esquerda. É o mais encantador belvedere do Caraça. É o Monte Calvário, passeio obrigatório para todos, pelo que encerra de paisagem, silêncio e piedade.
      Vamos andando e meditando nas 14 cruzes da Via-Sacra, para, depois, descansarmos ou diante das imagens de Cristo crucificado, de Nossa Senhora e João Evangelista, ou no Caramanchão ao lado. Daqui teremos uma vista de toda a bacia do Caraça, com o colar de seu picos e serras: Carapuça a 1955 m de altitude; Beiço do Diabo, Pico do Sol a 2070 m, Caraça ou Cara Grande, Bocaina, Peito do Gigante ou Inficionado, a 2030 m. Verruguinha, de onde, com um binólculo se avista a Cartuxa de D. Viçoso, em Mariana... De novo: a Serra da Cangerana, Três irmãos, Conceição e as duas estradas: uma de rodagem, por onde você chegou, e outra, mais embaixo, para cá do rio, por onde subiram, a cavalo, os dois Imperadores e duas Imperatrizes, e quase todos os alunos e visitantes, antes de 1926.

5 - Descendo do Calvário em direção à Casa, algumas árvores nos chamam a atenção: numerosas candeias, velhos coqueiros de troncos carcomidos, pinheiros ou araucárias, cedros, casuarinas (chorões) e até árvores européias: carvalhos. Estes, em certa época do ano, estão ricamente vestidos de folhas verdes; em outra, mostram tristemente a nudez de seus numerosos galhos.

6 - Entre a Casa Santa Helena e a Carpintaria, vamos subindo e admirando os dois grandes muros de pedra, a horta, e chegamos ao Tanque São Luís ou Tanquinho. Aqui, outro descanso. Você poderá poetizar, respirar o ar puro das matas e poderá pescar, ouvir o canto dos pássaros... Nadar, não pois a água é usada no serviço da Casa. Seguindo em frente, pela barragem, chegaremos, em cinco minutos, ao Morro do Cruzeiro e, em uma hora, à Cascatona, depois de passar pelo Funil, onde, debaixo da terra, se esconde todo o Rio Caraça. Se voltarmos em direção do Curral e da horta, iremos, em cinco minutos, à Varginha, local da quadra de esportes dos alunos. Com mais vinte minutos de subida estaremos na Capelinha do Sagrado Coração. Momentos necessários para descanso e admiração da paisagem, do tempo de pedras e das ruínas do seminário, construído durante o Superiorato do Pe. Sípolis. Se estamos dispostos, podemos ir à frente, para visitar uma das duas grutas, ambas a uns trinta minutos. O trilho da esquerda nos leva à Gruta do Pe. Caio (3), com cavernas profundas; o da direita, mais batido e mais íngreme, nos leva à Gruta de Lourdes, onde, em 1904, colocaram uma imagem de Nossa Senhora. O que é curioso nesta Gruta é a areia tão branca e tão fina que facilmente se confunde com açúcar.

7 - Aqui estamos debaixo da Carapuça, e se temos coragem e disposição, com menos de uma hora estaremos lá em cima. Mas cuidado pois sua vida pode correr perigo na beira de abismos hiantes... Do alto da Carapuça descortina-se vastíssimo horizonte. A nossos pés, o Colégio do Caraça, o Tanque Grande, matas e montanhas, o Engenho... Lá longe, as Serras de Belo Horizonte, a Serra da Piedade, perto de Caeté... Aqui perto, um punhado de casinhas brancas... Pode ser Barão de Cocais, Santa Bárbara ou Catas Altas. À direita, o Pico da Conceição de Itabira... e por toda a parte, serras e mais serras, confundindo-se com o azul do céu...
      Se você está proibido pelo médico de subir à Carapuça, console-se pois de um cantinho do Claustro, com binóculo ou se ele, poderá ver, lá em cima, a cruz de 5 m que, em 1950, um grupo de alunos levou e chantou no topo da Carapuça. Era a cruz do altar que serviu no filme "CARAÇA-PORTA DO CÉU" (4)

8 - Descendo à esquerda da Casa, faremos uma excursão de dois quilômetros até a Cascatinha. Passaremos, primeiro, pelo Campo dos Colegiais ou Campo da Orbis; visitaremos a Ponte do Bode. Aí você terá um fundo poço para nadar ou uma praia de areia branca para descansar. Continuando, passaremos perto da Prainha e da Ponte de Pedras para depois chegar à Cascatinha, com quatro grandes degraus e numerosos tanques escuros de água gelada. Você verá que não é tão pequena, como o nome parece indicar. É pequena em comparação com a Cascatona e com a Cascata do Capivari.

9 - Outro passeio obrigatório, a um quilômetro da Casa, é o Tanque Grande, represa com 400 metros de comprimento por 100 metros de largura. Vai-se pela ladeira das Sampaias, chega-se à Ponte "Lara Resende". Cem metros acima está o Banho dos Alunos ou do Imperador, onde todo o pequeno caracense aprendia a nadar, sem perigo. Aí, você pode nada com toda a sua família. Indo pela estrada de automóvel, contorna-se a vinha e se chega a uma encruzilhada: pela direita se vai ao Tanque Grande e pela esquerda, depois de algumas voltas, se chega aos Pinheiros, onde se tem, em dia claro, perfeita visão do Gigante deitado. Perto dos Pinheiros, o Banho do Belchior com pequena cachoeira.

10 - O desfiladeiro da Bocaina forma o pescoço do Gigante, sempre a sangrar na pequenina Cascata. A montanha do Inficionado é a arcada do peito com a grande Gruta Centenário, ocupando justamente o lugar do coração. A Gruta do Centenário chama-se também da Independência por ter sido descoberta em 1922.

      Ao corajoso alpinista que deseja explorar esta e outras Grutas, repetiremos os conselhos do Pe. Sarneel, no "Guia Sentimental":

"Vai, romeiro; vai, ora trepando como cabritinho... por rochas escabrosas ou saltando por picos agudos, ora andando de gatinhas como as crianças ou de rastos como as serpentes. Explora, estuda a gruta tão pouco ou tão mal conhecida pelos próprios caracenses. Mas leva contigo um pacote de velas (Hoje, não mais use velas, a fim de evitar que uma chama desvairada provoque estragos irreparáveis - NOTA DO EDITOR DA HOMEPAGE ) ou lâmpadas elétricas e uma boa dose de sangue frio. Gastarás apenas três horas de ida e duas de volta, se fores pelos vestígios que restam da antiga estrada do Inficionado. Marcha, farnel nas costas e esperança no peito. Há muita curiosidade que descobrir, muita novidade que batizar, na Gruta da Independência, onde, como em outras cavernas, de fama mundial, encontrarás salas de almas do outro mundo, dormitórios de bruxas, antecâmaras do inferno, púlpitos do capeta... Passeia, romeiro valente, à luz da tua lanterna, por todas as galerias, tenebrosas e frias, escutando o ruído dos teus passos que, ao longe, ecoam surdamente, e soltando as rédeas a tua imaginação, endiabrada criadora de espectros e fantasmas..." (Pág. 181).

      O mapa em apêndice, sua coragem e os exemplos dos companheiros irão ajudar você a descobrir novos passeios pelas campinas, serras e grutas, pelas matas e bosques, cascatas, tanques e riachos, todos eles cheios de surpresa e encantamento.

      Pena que você, leitor, não tenha aquela fibra dos autênticos alpinistas para ir desvendar todo o mistério do Pico do Sol e destruir-lhe o orgulho de ser a mais alta montanha do Caraça, o ponto mais iluminado, de mahnhã até à tarde, o lugar mais distante dos pés e da curiosidade do homem... Para conhecê-lo, quatro horas de subida, pelo menos. E você agüenta, turista?...

      Aqui fica o desafio, por ordem de Sua Majestade, o sr. Pico do Sol, que mui vaidosamente pensa já ter sido cantado em versos épicos por Camões:


      "Vós poderoso Rei, cujo alto Império
      O sol logo em nascendo vê primeiro,
       E quando desce o deixa derradeiro..."

      Ou nos delicados versos do Príncipe dos Poetas Brasileiro:


Último a receber o adeus do dia,
                Primeiro a ter a bênção das estrelas!... (5)


(1) - Abra o link Curiosidades para conhecer pequenas curiosidades sobre a igreja do Caraça.
(2) - Boa Vista para quem chega e Curva da Saudade para quem parte.
(3) - "A Gruta do Pe. Caio constitui belo passeio para o excursionista que quiser ler, nas páginas da
      natureza, uma série de interessantes fatos que se deram em épocas remotíssimas", escreveu Álvaro da
      Silveira, em "Na Região do Caraça" apud Rev. do Arq. Público Mineiro Ano XI-1906m p. 622.
(4) - Um raio, um dia, partiu esta cruz. Hoje, tem pouco mais de dois metros.
(5) - BILLAC, Olavo. Poesias, 13 ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1928. p. 299.
... ... ...
ZICO, Pe. José Tobias. Caraça - Peregrinação, Cultura e Turismo, 1ª Ed.
Belo Horizonte, Ed. São Vicente, 1976. pág. 146 à pág.150.


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